Sistema Límbico |
A especificidade dos sistemas neurais dedicados à emoção foi estabelecida a partir de estudos sobre lesões cerebrais específicas, aqui vamos falar sobre as áreas mais amplamente estudadas do sistema límbico, mas antes vamos fazer uma rápida revisão sobre o circuito de Papez, que antecedeu o que conhecemos hoje como Sistema límbico.
O CIRCUITO DE PAPEZ
A descoberta do sistema límbico começou através do anatomista James Papez, que tentava localizar no sistema nervoso as bases neurobiológicas ligadas a emoção. Papez percebeu que as regiões eram conectadas, formando um circuito, conhecido hoje, como “Circuito de Papez”. Papez propôs que o circuito constituído pelo giro do cíngulo, giro parahipocampal, hipocampo, fórnix, corpo mamilar, núcleos anteriores do tálamo se constituísse no circuito básico das emoções.
Entretanto, em virtude da falta de conhecimento dos circuitos neurais da época, posteriormente descobriu-se muitas falhas na proposta de Papez. Tal circuito parece ter apenas uma baixa participação nas reações emocionais, por isso outras estruturas foram agregadas ao circuito. Logo, com a adição de novas áreas como amigdalas e o córtex pré-frontal surgiu o que conhecemos hoje por Sistema límbico.
James Papez |
HIPOTÁLAMO
No campo das emoções o Hipotálamo exerce função de comandar as respostas hormonais inerentes à resposta emocional. Esse comando é dado para a hipófise que libera o ACTH (hormônio adrenocorticotrófico) que estimula as glândulas adrenais. É importante destacar que o hipotálamo também exerce inúmeras outras funções, tais como: Regular a temperatura do corpo, controla e regula os processos de fome e sede e a própria regulação das emoções, et cetera.
Hipotálamo |
AMÍGDALAS
O registro da atividade elétrica dos neurônios do corpo amigdaloide, tanto no homem como nos animais, evidencia uma ativação em situações com significado emocional, como encontros agressivos ou de natureza sexual. Embora alguns resultados sejam conflitantes, a maioria das experiências relata que em animais as lesões da amígdala resultam em uma domesticação do animal com um quadro hipersexual semelhante ao observado na síndrome de Kluver-Bucy. Também no homem lesões bilaterais do corpo amigdaloide resultam em considerável diminuição da excitabilidade emocional de indivíduos portadores de distúrbios de comportamento, manifestados pela agressividade. Por outro lado, a estimulação do corpo amigdaloide em animais desencadeia comportamentos de fuga ou de defesa, associados à agressividade. Coerentemente com este fato, no homem, focos epilépticos da região amigdaliana do lobo temporal frequentemente associam-se a um aumento da agressividade social.
Para estudar as funções das amígdalas precisamos recorrer a alguns casos e experimentos relacionados a retirada ou excitação dessa região. O primeiro exemplo que vamos usar aqui diz respeito a Síndrome de Kluver-Bucy, em suma, essa síndrome se caracteriza pela redução ou ausência completa de respostas emocionais eliciadas por estímulos aversivos. Talvez você esteja se perguntando: O que isso quer dizer? Então vamos ilustrar. Imagine que há dois primatas, um deles teve suas amígdalas retiradas e agora apresenta sintomas da síndrome de Kluver-Bucy, este primata é colocado frente a frente com uma cobra de mentira, em uma situações como essa os primatas sentem medo da cobra e procuram manter distância, entretanto o primata sem as amígdalas interage com a cobra e até pega uvas postas próximo a serpente, um comportamento impensável em animais com as amígdalas intactas.
AMÍGDALAS E O MEDO CONDICIONADO
Mais um exercício de imaginação, pense que há um pequeno rato em uma caixa de Skinner, sempre que o rato ouve um barulho, toma um choque. Depois de um tempo os pesquisadores param de dar choque junto ao estimulo auditivo (o barulho). O curioso é que o rato já está condicionado, então mesmo que não leve o choque, o rato emite a mesma resposta que emitiria caso o tivesse levado quando ouve o barulho. O curioso é que isso não acontece com animais que possuem alguma lesão ou mesmo ausência das amígdalas, estes animais não fazem o emparelhamento, logo, não emitem a resposta de medo apenas com o estimulo auditivo, como os animais com o funcionamento das amígdalas preservado.
Caixa de Condicionamento Operante |
AMÍGDALAS E COGNIÇÃO SOCIAL
Para ilustrar o comportamento social podemos falar sobre um experimento realizado com primatas, neste experimento uma equipe de pesquisadores formou grupos sociais artificiais e esperaram até que se configurasse a hierarquia de dominância dentro deste grupo. Após o grupo se organizar, hierarquicamente, os pesquisadores realizaram lesões bilaterais nas amígdalas dos dominantes e devolveram-nos para o grupo, esses primatas, que antes estavam no topo da hierarquia dentro do seu grupo social, agora ocupavam as castas mais baixas, subordinados aos outros primatas do grupo. Também foi observado uma desinibição social dos primatas com lesões nas amígdalas em relação a outros da mesma espécie, os primatas lesionados não avaliavam, por exemplo, se havia alguma ameaça em suas interações com outros animais.
Expressões faciais comuns | Imagem Ilustrativa |
Quando falamos de julgamentos sociais, ou mesmo cognição social de uma forma mais geral, estamos falando sobre uma avaliação, uma avaliação sobre as intenções ocultas dos outros que são expressadas por de formas mais implícitas, como por exemplo, as expressões faciais. Podemos usar como exemplo o curioso caso de uma mulher com uma lesão bilateral nas amígdalas, a esta mulher foram apresentadas fotos com diferentes expressões faciais que representavam estados emocionais, esta mulher conseguiu reconhecer as emoções relacionadas a todas as expressões a ela apresentadas, com exceção de uma, a expressão de medo.
Outro estudo importante foi feito para verificar o papel das amígdalas em julgamentos sociais a níveis globais. No experimento os pesquisadores mostravam fotos de pessoas para dois grupos, um dos grupos era composto por indivíduos normais (sem lesão nas amígdalas), o outro grupo era composto por pessoas com lesão nas amígdalas.
O que se pedia era para que julgassem aqueles indivíduos com base em suas faces, coisas como o nível de confiabilidade e possibilidade de aproximação. O que se verificou com esse experimento é que os indivíduos com lesão nas amígdalas atribuíam níveis anormalmente altos de confiabilidade e aproximação a fotos que indivíduos normais consideraram não confiáveis.
CÓRTEX PRÉ-FRONTAL
Para começar a falar sobre o Córtex pré-frontal, precisamos falar sobre um caso clássicos que relacionado danos em uma região especifica do cérebro a mudanças no comportamento e na personalidade. O caso do qual estamos falando aqui é o caso de Phineas Gage, este caso foi relatado na época em que aconteceu pelo Dr. Harlow e foi melhor desenvolvido pelo Neurocientista Antonio Damásio que fez uma reconstrução dos danos causados pelo acidente com base no crânio de Phineas e pelos relatos que o Dr. Harlow deixou sobre o caso.
O Phineas era um operário que trabalhava explodindo rochas para abrir caminho para uma estrada de ferro, para explodir as rochas os operários colocavam pólvora dentro de buracos nas rochas e cobriam esses buracos com areia. O que aconteceu foi que em uma tarde, em um momento de distração, Phineas bateu com sua barra de ferro dentro do buraco com a pólvora sem areia, o que levou a uma explosão, cujo impulso fez com que a barra de ferro que Phineas usava atravessasse seu olho esquerdo e passassem por dentro do seu crânio, causando lesões extensas no córtex pré-frontal.
Reconstrução da lesão sofrida por Phineas Gage | feito por António e Hanna Damásio |
O que aconteceu foi surpreendente, Gage não morreu, ele estava consciente após o acidente e depois de algumas semanas já apresentava uma melhora significativa. O que aconteceu com Gage após o acidente, como relatado por aqueles que eram próximos a ele, é que Gage não era mais Gage. Pensem que Phineas, antes da lesão, era um homem respeitoso, competente, solicito e educado. Depois da lesão Gage havia mudado completamente, era agora um homem rude, grosseiro, de mau gênio e incapaz de aceitar conselhos.
O caso de Gage foi um marco para as Neurociências, pois era a primeira grande evidência da influência do Córtex Pré-frontal para mecanismos relacionados a personalidade, cognição social e o estudo das emoções.
- CASO ELLIOT -
Antônio Damásio também nos relata em seu livro “O erro de Descartes”, o caso de Elliot, um rapaz que passou por um operação para retirada de um tumor cerebral no Córtex pré-frontal, o que acabou por lesionar partes dessa região, tal como Phineas Gage, Elliot manteve intactas várias funções cognitivas como atenção e memoria, entretanto, novamente como Gage, Elliot passou a apresentar alterações de conduta.
A primeira pista sobre o que estava acontecendo com Elliot foi feita através da observação do comportamento de Elliot enquanto descrevia seus problemas, ele relatava o que estava acontecendo com ele com uma frieza e imparcialidade que surpreendia os médicos e familiares. Elliot estava plenamente consciente dos problemas que o acometiam, mas não mostrava qualquer reação emocional em relação a eles. Isso levou os médicos a suspeitarem de um problema emocional, ou seja, uma incapacidade de sentir as emoções e usa-las para guiar suas decisões futuras.
Inúmeros experimentos foram feitos com Elliot e outros indivíduos com lesão no Córtex pré-frontal, para verificar quais os comprometimentos desses indivíduos em comparação com pacientes sem lesão na mesma região.
- EXPERIMENTO I -
No primeiro experimento que vamos relatar aqui os pesquisadores apresentavam várias fotografias cujo conteúdo tinha a intenção de causar reações emocionais desagradáveis, as fotos tinham cenas de corpos mutilados, pessoas se afogando e casas pegando fogo. Os pesquisadores tinham dois grupos, um grupo experimental (Com lesões no córtex pré-frontal) e um grupo controle (sem lesões no córtex pré-frontal), enquanto mostravam as fotos eles mediam os níveis de sudorese palmar dos participantes de ambos os grupos. O que se verificou aqui é que os participantes do grupo controle (sem lesão no córtex pré-frontal) apresentam um aumento da resposta de sudorese palmar quando observam as fotografias, enquanto os participantes do grupo experimental (com lesão no córtex pré-frontal), incluindo Elliot, não apresentavam esse aumento, o que indica uma falta de reatividade emocional a essas imagens. O próprio Elliot relatou saber racionalmente quão negativas eram as figuras, mas não provocavam qualquer reação emocional nele, em suma, ele sabia, mas não sentia.
- EXPERIMENTO II -
O segundo experimento foi feito usando, novamente, dois grupos, um grupo controle (sem lesão no córtex pré-frontal) e um grupo experimental (com lesão no córtex pré-frontal). Aqui ambos os grupos participaram de um jogo que consistia em escolher e expor cartas que representavam ganho ou perda de dinheiro. Os participantes deveriam tentar ganhar o máximo de dinheiro e, portando, evitar perdas. Neste jogo estavam dispostas duas pilhas de cartas (Pilha A e Pilha B), na Pilha A escolher e virar uma carta representava uma recompensa imediata de 100,00 Dólares, na Pilha B a recompensa era de 50,00 Dólares. No decorrer do jogo, randomicamente, apareciam cartas onde os sujeitos perdiam dinheiro. O que acontecia é que na Pilha A as perdas eram muito maiores do que na Pilha B, o que indicava que, a longo prazo, a Pilha A representava uma desvantagem em termos financeiros. O que aconteceu foi que os pacientes sem lesão no córtex pré-frontal aprendiam que a Pilha B é mais vantajosa que a Pilha A, apesar de ser menos tentadora (também foi constatado um aumento nos níveis de sudorese palmar que antecede a escolha da Pilha de Cartas). Os indivíduos com lesão no córtex pré-frontal, por outro lado, investem na Pilha A e não mudam de estratégia com o passar do tempo, outros detalhes importantes é de que os pacientes com lesão no córtex pré-frontal estão cientes de que a Pilha B é mais vantajosa, apesar de continuar investindo na Pilha A. Outro detalhe é de que os pacientes com lesão no córtex pré-frontal não apresentam uma resposta antecipatórias de sudorese.
- EXPERIMENTO III -
No terceiro experimento os pesquisadores pediam para que os voluntários (todos deste experimento tinham o córtex pré-frontal intacto e funcionalmente normal), visualizassem fotos desagradáveis e tentassem regular suas emoções, seguindo as instruções para, em alguns momentos, aumentar e em outros diminuir o impacto emocional que as imagens pudessem provocar. O que constataram aqui foi que o Córtex pré-frontal se tornou mais ativo durante as estratégias de regulação emocional em que os sujeitos tentavam diminuir o impacto emocional das imagens, enquanto a amigdala apresentava um declínio de sua atividade nessa situação. É importante entender que a regulação emocional inclui todas as estratégias conscientes e inconscientes para aumentar, manter ou diminuir um ou mais componentes da resposta emocional. Esses componentes são os sentimentos, os comportamentos e as respostas fisiológicas que constroem as emoções. Para entender melhor o conceito de regulação emocional imagine que você ganhou um presente, você estava com muitas expectativas sobre o conteúdo da embalagem do presente, pois quem está te dando ele é uma pessoa muito querida, você abre na frente da pessoa e se depara com um presente que não te agradou de forma alguma, o que você faz? Expressa seu descontentamento? Provavelmente não.
Podemos tirar algumas conclusões destes experimentos
- Nossas decisões são embasadas não apenas na avaliação racional das consequências das nossas ações no futuro, mas também em uma antecipação emocional de como nos sentiríamos após ter tomado uma ou outra decisão.
- Nossas emoções, ao contrário do que o senso comum acredita, não só não atrapalham nossas decisões como são fundamentais para que elas aconteçam adequadamente.
- Os pacientes do experimento perderam a capacidade de antecipar emocionalmente as consequências futuras dos seus atos e o córtex pré-frontal é essencial para isso.
- Esses pacientes não mostram bom desempenho em tarefas nas quais precisam tomar uma decisão sob condições de incerteza e nas quais recompensa e punição são fatores importantes.
- O Córtex pré-frontal é essencial na regulação do comportamento emocional, função exercida juntamente com o hipotálamo e o sistema límbico.
- Pacientes com lesões no Córtex pré-frontal apresentam falhas no julgamento moral.
- Indivíduos com lesão no Córtex pré-frontal tem dificuldades em adequar suas respostas emocionais ao contexto adequado.
Córtex Pré-frontal, Estilo afetivo e a lateralização do processamento emocional
Estilo afetivo é a maneira como cada indivíduo percebe os estímulos emocionais e reage a eles. Além disso, há evidências do papel do Córtex pré-frontal pode ser lateralizado, ou seja, o direito e o esquerdo teriam funções diferentes no processamento das emoções. Alguns trabalhos mostram, por exemplo, que lesões no hemisfério esquerdo do córtex pré-frontal tem maior probabilidade de produzir sintomas depressivos nos pacientes do que lesões semelhantes no hemisfério direito. A interpretação desses resultados é de que o córtex pré-frontal esquerdo normalmente estaria relacionado com o afeto positivo e que a lesão deste dificultaria a vivencia de emoções positivas, o que provocaria o aparecimento de sintoma depressivos nos pacientes. Em outro estudo verificou-se que a apresentação, para voluntários com um funcionamento normal do córtex pré-frontal, de um filme com cenas que induziam medo e nojo promovia maior ativação no córtex pré-frontal direito, enquanto a ativação de um filme que produz emoções positivas promove maior ativação no córtex pré-frontal esquerdo.
Em suma, todas essas evidencias sugerem que há uma variação individual na maneira como as pessoas percebem e reagem aos estímulos emocionais, que pode estar relacionado com uma ativação lateralizada do córtex pré-frontal.
CÓRTEX INSULAR
Estudos de neuroimagem demonstram evidencias de que a ínsula está envolvida em quase todo tipo de atividade cerebral que envolva emoções sociais como o sentimento de empatia, percepção gustativa, controle cardíaco e percepção corporal, principalmente a interoceptiva, ou seja, a sensibilidade a variação dos estados internos do corpo como temperatura, dor e movimento nos órgãos internos.
Córtex insular |
CÓRTEX CINGULADO ANTERIOR
Algumas pesquisas levantaram evidências que propõem o envolvimento do Córtex cingulado anterior funcionaria como um detector de conflito. As evidências são provenientes de estudos recentes que mostraram que as representações da dor física (decorrente de lesão corporal) e da dor social (decorrente da perda dos laços sociais) são sobrepostas no córtex cingulado anterior, o que sugere que podem compartilhar os mesmos mecanismos cerebrais. Recentemente tem-se mostrado que, por exemplo, a vocalização angustiada apresentada por animais jovens, quando separados do grupo, e o comportamento de cuidado e proteção de parte dos adultos, motivados pela escuta desses sons, dependem da integridade do córtex cingulado anterior.
Qual a diferença fundamental entre eles?
O córtex insular possui mais relação com as sensações musculares e viscerais, fome, sede, contato físico agradável, dor, temperatura, etc. O córtex cingulado anterior possui mais relação com a percepção de dor física ou social. A dor física possui relação com danos teciduais. A dor social possui relação com a percepção real ou potencial do afastamento de entes próximos ou de grupos sociais.
REFERÊNCIAS
DAMÁSIO, António
R. O erro de Descartes: emação, razão e o cérebro humano. Editora Companhia das
Letras, 2009.
KANDEL, Eric et
al. Princípios de Neurociências-5. AMGH Editora, 2014.
HOCKENBURY, Don
H.; HOCKENBURY, Sandra E. Descobrindo a psicologia. São Paulo, SP: Edições Manole,
2003.
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