Em meados de século XIX, o Egiptólogo Norte-Americano Edwin Smith descobriu o que consta, até o momento, como os registros mais antigos sobre o Sistema Nervoso. O documento foi escrito a cerca de 1700 a.C., supõe-se que foi escrito pelo médico egípcio Inhotep, mas admite-se que ele se baseie em textos mais antigos, provavelmente do Antigo Império (Cerca de 3000 a.C.).
BERNARDES DE OLIVEIRA (1981) apud PINHEIRO (2005) afirma:
“Esse papiro é um verdadeiro tratado de cirurgia e contém a descrição clínica detalhada de pelo menos 48 casos com os respectivos tratamentos racionais e prognósticos (favorável, incerto e desfavorável). Vários desses casos são importantes para a neurociência, pois neles se discute o encéfalo (o termo aparece pela primeira vez neste documento), as meninges, o líquor, e a medula espinhal. O papiro Edwin Smith, contudo, constitui exceção. No cômputo geral, ainda por mais de dois mil anos, as concepções médico-filosóficas giraram em torno do empirismo e do sobrenatural”
Na Grécia Antiga havia uma dicotomia, cuja discussão se baseava em duas principais linhas de pensamento. Nomes como Pitágoras (que afirmava que a mente estava situado no encéfalo, enquanto a alma e as sensações se localizavam no coração), Alcmeon, Hipócrates e Platão admitiam o encéfalo como centro das funções mentais, fomentando a hipótese cerebral, antagonizada pela hipótese cardíaca, defendida principalmente por Aristóteles, que acreditava que o encéfalo era responsável por refrigerar o corpo e a alma.
Aristóteles | 384 a.C. - 322 a.C.
A partir do período pré-medieval os estudos de Galeno (Médico Romano | 130-203) se instauram como a principal explicação para as funções mentais e o comportamento, tendo influenciado toda a Idade Média. Galeno estudou a anatomia do cérebro e o dividiu em duas partes: uma anterior, chamada Cerebrum e uma posterior, chamda Cerebellum. Na descrição de Galeno funções como sensações, memória estavam relacionadas ao cerebrum, enquanto funções como o controle dos músculos estavam ligadas com o cerebellum. Pinheiro (2005) afirma que na visão de Galeno os nervos eram condutos que levavam líquidos vitais ou humores, permitindo que as sensações fossem registradas e os movimentos iniciados.
O conhecimento em medicina, na relação saúde-doença e nas bases dos processos mentais e do comportamento durante a idade média foi marcada pelo obscurantismo e por ideias enviesadas pelo zeitgeist teocêntrico que mercava a cultura pelos tempos que se seguiram. Pinheiro (2005) afirma que a partir da morte de Galeno, o conhecimento médico sofreu um processo de decadência qualitativa e quantitativa. A partir desta decadência a doutrina cristã, de que o corpo tinha pouca ou nenhuma importância em comparação com a alma em relação aos processos mentais e ao comportamento, perdurou por um longo tempo.
O pensamento médico ocidental durante a Idade Média tentou ajustar as descobertas biológicas e médicas de Galeno (e outros pensadores, mas principalmente Galeno), aos ideais da Igreja. A partir dos estudos de Galeno sobre os ventrículos cerebrais, assimiladas pela igreja católica, nasceu a Doutrina ventricular, uma explicação baseada no princípio clérigo de que o corpo é mundano e que apenas o liquido armazenado entre a matéria impura do cérebro poderia representar a pureza da alma. A partir das descrições de Galeno, que descreve os ventrículos como formados por 3 câmaras, a igreja ajusta essas explicações como representantes da Santíssima Trindade, adequando-se ao sentimento religioso em vigor.
A Doutrina Ventricular perdurou durante séculos, como a melhor maneira de explicar as funções mentais e o comportamento, mas a partir da segunda metade do século XVII e início do século XVIII um novo problema fomentava discussões, tratava-se da discussão mente x cérebro. A partir dessas discussões surgiam interpretações e explicações, contudo, destaca-se aqui a ideia de René Descartes, que admitia que a alma (res cogitans) era uma entidade livre, não substantiva, imaterial, enquanto o corpo era considera uma parte mecânica, material. Na concepção de Descartes a alma transcende o corpo e este é matéria dotada de movimento, como uma máquina, embora diferentes, estas duas partes interagiam por meio da glândula pineal (PINHEIRO, 2005, p.182).
René Descartes | 1596 - 1650
A partir do Século XIX as ideias fortemente defendidas pela igreja começavam a perder forças, com o nascimento da biologia e o advento de explicações naturalistas, a mente humana começa a perder forças enquanto um atributo supremo e divino, o ser humano descobre não ser tão especial quanto pensa. Neste período podemos destacas os estudos de Franz Gall, que acreditava na ideia de que diferentes funções mentais estavam alojadas em diferentes porções do córtex, áreas anatomicamente distintas. Gall acreditava que o cérebro era na verdade um conjunto de órgão separados, cada um dos quais controlava uma “faculdade” inata separada, a partir dessas ideias nasce a frenologia.
Gall postulou, inicialmente, 27 diferentes áreas no cérebro, numero esse que foi atualizado por seu próprio discípulo. Para Gall o desenvolvimento de uma aptidão especificamente localizada era responsável por causar uma hipertrofia na zona cortical correspondente, essa hipertrofia exercia pressão sobre o crânio, causando uma elevação. Em contrapartida, aptidões poucos desenvolvidas causariam uma depressão na superfície craniana. As ideias de Franz Gall deram início a corrente Localizacionista. Apesar de controvérsias quanto aos métodos da frenologia, considerado anticientífico, a neurocientista Suzana Herculano-Houzel (2008), acredita que os experimentos realizados pelos adeptos da frenologia marcaram o início da neurociência experimental.
Representação da divisão do Córtex segundo a Frenologia
Foi também no Séc. XIX que nasceu a Neuropsicologia da Linguagem (é importante destacar que é possível encontrar, na literatura, relatos de milhares de anos atrás, mas foi no séc. XIX que as correlações anátomo-clinicas entre lesões e patologias tornaram-se importantes), a partir dos estudos de Paul Broca e Carl Wernicke.
Em 1865, baseando-se em vários estudos anatomo-patológicos feitos com pacientes, Broca estabeleceu uma sede para a expressão da Linguagem, localizada no hemisfério esquerdo do lobo frontal, na parte posterior da terceira circunvolução (Área de Broca). Broca fez suas descobertas a partir de pacientes afásicos, sujeitos com severas dificuldades na expressão da linguagem, no post mortem Broca abria seus crânios e percebia danos na área do encéfalo anteriormente citada, possibilitando inferir uma correlação Lesão-Sintoma. Wernicke, por outro lado, estudou pacientes com dificuldades na compreensão da linguagem, descobriu que lesões no terço posterior do giro temporal superior esquerdo (hoje conhecida como área de Wernicke), causava essas dificuldades. Carl Wernicke também foi o primeiro a descrever um modelo cientifico para o processamento da Linguagem, posteriormente expandido e renomeado de Modelo Wernicke-Geschwind.
Por fim, cabe mencionar ir as descobertas do histologista Santiago Ramon y Cajal e do médico Italiano Camillo Golgi, que descreveram em detalhes a estrutura das células nervosas, dando inicio a Doutrina Neuronal.
Engelhardt, Rozenthal e Laks (1995) apud Pinheiros (2005) afirmam que a Neuropsicologia moderna começa com Karl Spencer Lashley, Aleksandr Romanovitch Luria e Donald Olding Hebb.
Em 1949 Hebb propôs uma teoria de funcionamento do córtex cerebral a partir de conexões neuronais modificáveis, ou seja, cujas possibilidades de conexão de umas com as outras são múltiplas, admitindo que a transmissão de mensagens entre neurônios pode ser regulada, modulável conforme as circunstâncias.
Já os trabalhos experimentais de Lashley sugeriam fortemente que as funções cerebrais requeririam a participação de grandes massas cerebrais de tecido nervoso, o que diminui a importância dos neurônios individuais ou das conexões neuronais especificas, funcionalmente especializadas.
Luria investigou as funções mentais superiores nas suas relações com os mecanismos cerebrais e desenvolveu a noção do sistema nervoso funcionando como um todo, considerando o ambiente social como determinante fundamental dos sistemas funcionais responsáveis pelo comportamento humano. Enquanto sistema dinâmico, o cérebro luriano é constituído de três unidades funcionais básicas cuja participação é necessária para qualquer tipo de atividade mental.
Primeira Unidade: Regula o estado do córtex cerebral, alterando seu tono e mantendo o estado de vigília (formação reticular);
Segunda Unidade: Tem como função primária receber, analisar e armazenar informações, e inclui regiões visuais, auditivas e sensorial geral do córtex cerebral.
Terceira Unidade: Elabora os programas de comportamento, responde pela sua realização e participa do controle de sua execução (inclui estruturas localizadas nas regiões anteriores, frontais ou pré-frontais, dos hemisférios cerebrais).
As três unidades funcionais descritas por Luria
A partir da segunda metade do séc. XX, a neuropsicologia firmou-se efetivamente enquanto área de estudo, e embora a linguagem tenha sido amplamente investigada, diversos temas tem sido enfatizados nos últimos anos, tais como: A atenção, a percepção visual e auditiva, e a memória.
Hoje as neurociências de uma forma geral contam com inúmeras técnicas de observação do cérebro e de sua atividade: Tomografia computadorizada, Ressonância Magnética e Tomografia por emissão de pósitrons. Além de ferramentas de neuroimagem é possível contar com o aperfeiçoamento dos instrumentos de avaliação neuropsicológicas e o desenvolvimento de métodos de intervenção e reabilitação neuropsicológica.
Sabemos hoje que diferentes regiões não funcionam isoladamente, mas apresentam alto grau de interação, ou seja, não há função pura, mas uma combinação bastante complexa de ações psicológicas e fisiológicas em cada comportamento realizado pelo ser humano.
REFERÊNCIAS
ENGELHARDT, E. Z.; ROZENTHAL, M.; LAKS, J. Neuropsicologia II - história. Revista Brasileira de Neurologia, Rio de Janeiro, v. 31, n. 2, p. 107-113, mar./abr. 1995.
HERCULANO-HOUZEL, Suzana. Uma breve história da relação entre o cérebro e a mente. LENT, Roberto. Neurociência: da mente e do comportamento. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008.
PINHEIRO, Marta. Aspectos históricos da neuropsicologia: subsídios para a formação de educadores. Educar em Revista, n. 25, p. 175-196, 2005.
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